Pontas de charuto
Benjamin Graham costumava ter uma centena de “pontas de charuto” (cigar butts) – empresas prestes a falir, vendidas abaixo do seu capital de giro, que garantiam uma fumada (um ganho) a um preço extremamente baixo – e Warren Buffett ficou milionário a “fumá-las” na década de 50-60. A própria Berkshire Hathaway (a holding de Buffett, que agora é uma mas maiores empresas do mundo) era uma “ponta de charuto”. Actualmente, estes casos deep value são mais raros do que há 50-100 anos, pois o mercado, a cultura e a sociedade mudaram…
… tornando este método de investimento praticamente impossível aos investidores institucionais. Devido à falta de liquidez, seria muito difícil recomendar este tipo de empresas aos Investidores Prudentes, além de ser mais arriscado do que o investimento em wonderful companies. Sobre isto, eu deixei uma nota na página 21 do Manual do Investidor Prudente:
Mas como ganhavam eles dinheiro nessas empresas?
Como explica o maior professor de value investing, Bruce Greenwald (Columbia University), na segunda edição do seu livro…
Nota: não comprem a primeira edição, pois há conteúdos que foram revistos na segunda edição.
… toda a análise fundamental de acções (desde Graham and Dodd) que conduz a uma determinada estratégia de investimento parte de um princípio – o valor intrínseco de uma acção/obrigação é determinado pelas características fundamentais do negócio/da empresa. Os elementos que constituem o seu valor podem ser resumidos da seguinte forma:
- 1º Assets (activos): é o elemento mais confiável que o analista dispõe (embora dentro desta categoria haja estimativas e seja necessário ajustar certas rubricas);
- 2º Earnings Power (lucratividade ou capacidade de ganho): este é o segundo elemento confiável, embora exija a atenção a alguns aspectos (como a amortização do goodwill, por exemplo, que pode ser ignorada pelos investidores, os impostos diferidos, os fluxos de caixa, etc.);
- 3º Growth (crescimento): considera as perspectivas de crescimento na avaliação da empresa, podendo aumentar ou diminuir o seu valor intrínseco.
A ordem é propositada, pois o processo de avaliação de um investimento deve começar com a análise dos activos e terminar com as estimativas de crescimento. Dependendo do tipo de empresa, pode ser dada maior ou menor enfase a cada um dos elementos:
No caso das “pontas de charuto”, a análise fundamental estava limitada ao primeiro dos elementos de avaliação, aos activos. Se uma empresa com $1.000 M em cash and short term investments e com um passivo total de $300 M estivesse a ser vendida em Bolsa por $467 (2/3 abaixo do activo corrente líquido, o mínimo exigido), podia ser comprada e vendida pelo valor de liquidação ($700 M), que é o valor que os accionistas poderiam retirar da empresa caso esta fosse encerrada. O ganho poderia ocorrer em apenas alguns dias ou anos, se as coisas não corressem mal – podia haver fraude contabilística (muito comum nas small caps chinesas de hoje), a administração podia esvaziar propositadamente o caixa para pagar compensações salariais, etc. Independentemente do sucesso da operação, o processo de análise era relativamente simples – era fácil determinar o preço de compra e venda da acção.
No extremo oposto temos as growth stocks e as empresas maravilhosas com vantagens competitivas duradouras… e aqui é onde a porca torce o rabo. Nestes casos, definir um bom preço de compra e venda pode tornar-se um tormento, pois o método simples das “pontas de charuto” não funciona. Então, que método utilizar?
Fluxos de caixa descontados?
Para entrar e sair de uma acção já usei análise técnica (que abandonei há mais de 10 anos, após anos de estudo aprofundado), já usei técnicas mistas (como a do William J. O’Neil), já usei métodos quantitativos, análise de fluxo, fluxos de caixa descontados, etc. É o reino da confusão infernal! Todos têm vantagens e desvantagens, e podem ser aplicados em situações distintas. Para avaliar o investimento nas empresas de maior qualidade, a maioria dos analistas utiliza o método dos fluxos de caixa descontados. No entanto, não consta que Benjamin Graham, Walter Schloss, Warren Buffett, Charlie Munger, Luiz Barsi, entre outros grandes investidores, tenham alguma vez realizado fluxos de caixa descontados. O processo de compra deles é muito mais simples!
Previsões falhadas
Quando falamos de empresas com barreiras à entrada e vantagens competitivas – aquelas que fazem parte do universo preferencial do Investidor Prudente (como explica o Manual) – necessitamos de considerar a lucratividade e o potencial de crescimento. Sobre este último elemento de avaliação, é necessário fazer uma observação: as variáveis que constituem os pressupostos necessários para calcular as taxas de crescimento de um negócio são extremamente sensíveis, fazendo com que até os melhores analistas errem, pois a realidade é incerta e vai certamente surpreender os accionistas ao longo da jornada de investimento. Basta ajustar ligeiramente a margem de lucro, a taxa de crescimento, o custo de capital, os múltiplos, entre outros, para os resultados saírem completamente diferentes. Veja-se, por exemplo, as perspectivas de crescimento da Tesla realizadas por Aswath Damodaran (que eu gosto bastante), o guru do valuation, professor na Universidade de Nova York:
Saíram ao lado!
É por isso que muitos investidores preferem focar-se apenas na lucratividade passada, ainda que contemplem o investimento em empresas de crescimento rápido ou em empresas com vantagens competitivas duradouras, como a Apple. Então, qual o melhor preço a pagar nestas condições? Como já indiquei no Manual do Prudente, o primeiro objectivo do investidor é garantir a segurança do capital investido, e o segundo é obter uma rentabilidade adequada. Quando a rentabilidade é adequada, o preço de compra é bom.
O que é uma rentabilidade adequada?
Se uma empresa emite um título de dívida (por exemplo, uma obrigação) com um juro de 3%, é sensato exigir dessa empresa um earning yield (inverso do PER) superior a 3%. Caso contrário, a acção não teria margem de segurança (pois o lucro pode não crescer, como aconteceu com muitas empresas tecnológicas entre 2000-2005), sendo preferível investir nas obrigações. Se a empresa não tiver dívidas, deve-se exigir um earning yield superior à taxa de juro com risco menor (como as treasury bonds e as corporate bonds).
Pessoalmente, gosto de olhar para métricas que não “mentem”, como o net payout yield (principalmente quando está acima de 4%)…
… e o dividend yield (quando a percentagem é superior à sua média):
Se uma empresa com potencial de crescimento e vantagens competitivas duradouras como a Apple oferece um net payout yield de 6%, quando o retorno médio das acções, das obrigações, dos imóveis e dos títulos públicos é inferior, estamos perante uma boa oportunidade de investimento.
E quando vender uma acção?
Esta é a parte mais difícil, e depende da situação particular do investidor. Se existirem alternativas melhores de investimento, se o investidor necessitar de liquidez, se os fundamentos e as perspectivas se deteriorarem, ou se houver relevância fiscal (por exemplo, se a menos-valia permitir um ganho fiscal), pode fazer sentido a venda. Mas há investidores que nunca vendem; por exemplo, o Luiz Barsi comprou o Itaú Unibanco a cêntimos e as acções subiram até perto dos R$40. Se ele vendesse teria de engordar o Estado com impostos e emagrecer a participação dele na empresa. Já Warren Buffett arrependeu-se de não ter vendido a Coca Cola em 2000, antes de cair mais de 50%.
Uma tarefa complicada para o Prudente
Por vezes recebo críticas (poucas, felizmente) relativamente aos preços de compra e venda definidos nas análises.
O preço de compra não me parece sério!
As objecções têm razão de ser, só que geralmente são mal colocadas, pois nenhum preço de compra é sério. Como definir um preço de compra sem partir da situação particular do investidor? Resposta: não é possível! Haverá sempre (e com razão) quem ache que o preço compra e venda é demasiado elevado ou demasiado baixo; as razões são variadas – sensibilidade ao risco, alternativas de investimento, volatilidade, perspectivas pessoais, etc. O que eu tento fazer no Prudente é definir um consenso dentro das médias de mercado. Posso dar um exemplo: se acção do McDonald’s cair abaixo de $143, fazendo com que net payout yield suba para 7,6% (ao net payout mediano dos últimos 5 anos de $10,82 por acção) e o dividend yield suba acima do undervalue yield (que neste caso é de 3,6%)…
… temos uma boa empresa cotada a um bom preço.