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Qual o valor intrínseco de uma acção?

Qual o valor intrínseco de uns sapatos da Marilyn Monroe ou do Michael Jackson? Há quem dê $10 milhões e há quem dê mais de $100 milhões. Qual o valor intrínseco de um relógio Rolex Submariner da década de 60? O mesmo relógio pode ir de $100.000 a $1.000.000. E um quadro do Picasso, um violino Stradivarius, uma carta rara de Pokémon e um NFT (non-fungible token) com a imagem de um macaco? Bem… os valores podem variar mais do que as acções da bolha tecnológica de 2000 e ser tão aleatórios quanto os números do totoloto.

Valor intrínseco… isso existe?

Muitos subscritores perguntam-me várias vezes acerca do valor intrínseco das acções publicadas no Prudente; quais as que estão boas para comprar (subavaliadas) e quais as que estão boas para vender (sobreavaliadas).

Eu tenho tentado eliminar essa pretensão, pois isso traz alguns problemas. Identificar o valor intrínseco de uma empresa:

  • implica definir um conceito de valor intrínseco (que é muito difícil de determinar em termos objectivos, para não dizer impossível);
  • pode incutir nos leitores uma mentalidade especulativa – tenderão a comprar abaixo do valor intrínseco para vender acima do valor intrínseco (que nunca pode ser um valor exacto, mas um intervalo, por vezes, demasiado extenso);
  • exige o conhecimento da situação concreta do investidor (o valor intrínseco da Apple para um investidor que tem um milhão de património não é igual ao valor intrínseco da Apple para um investidor que tem dez mil milhões de património);
  • depende a situação tributária do sujeito (o investidor só define um valor intrínseco em função da sua situação jurídica e da mais-valia que tiver de entregar ao Estado – vender uma acção a $100 pode fazer sentido para um investidor que tem $1.000 de mais-valias, mas não para aquele que tem $10.000.000.000 de mais-valias);
  • pode depender do custo de oportunidade ou o custo do capital (que para Warren Buffett e Charlei Munger consiste na melhor ideia de investimento existente num determinado momento);
  • etc.

 

Qual é o valor intrínseco de uma acção que pode não parar de crescer nos próximos 100, 200 ou 300 anos? São questões difíceis de responder. Na maioria das vezes, coloco nas análises do Prudente rácios com valores históricos, mas nada garante que nas próximas décadas os valores sejam os mesmos. E nada garante que num patamar sobreavaliado os investidores não possam ganhar dinheiro, como aqueles que compraram a acção da 3M em 1997 e 2004, acima da cotação ao dividend yield mediano:

Qual o valor intrínseco de uma acção? 1 | Investidor Prudente

O dividend yield da 3M está historicamente alto, indicando que a acção se encontra a um bom preço, mas nada impede o mercado de, nos próximos anos, precificar a valorização actual como “intrinsecamente justa”.

Eu tenho tabelas com “valores intrínsecos” para consumo próprio, que só eu consigo compreender (algo que qualquer subscritor do Prudente pode fazer, de forma subjectiva – se eu publicasse os meus “valores intrínsecos” teria de lidar com uma chuva de críticas), mas considero o ranking do yield mais útil à generalidade dos investidores de longo prazo; assim, uns poderão aceitar yields de 4% e outros poderão só querer yields de 6%, 8%, 10%…

O Prudente está aqui para ajudar os investidores a tomar as suas próprias decisões, não para decidir por eles. Decidir bem por todos é impossível!

O valor intrínseco pode ser determinado de forma objectiva?

Em algumas situações, sim. Vou dar um exemplo:

Warren Buffet, no início da carreira, comprava “pontas de charuto” (cigar butts), isto é, empresas em risco de falência que tinham mais activos líquidos do que passivos, e que podiam ser compradas abaixo do valor do “activo corrente líquido” (um conceito financeiro, não contabilístico, que significa net current asset = activo corrente menos passivos totais). Portanto, ele comprava empresas abaixo do net current asset (com um desconto/margem de segurança de pelo menos 40%) e vendia-as quando a capitalização bolsista atingia o net current asset (que ele definia como “valor intrínseco”):

Qual o valor intrínseco de uma acção? 2 | Investidor Prudente

Foi (+-) assim que ele comprou a Berkshire Hathaway, a ponta de charuto que virou uma grande blue chip:

O DNA da Berkshire Hathaway é Warren Buffett

Mas, hoje em dia, Warren Buffett já não define “valor intrínseco” como “net current asset value”, pois a sua estratégia mudou – agora só compra excelentes empresas a bons preços, perspectivando o longo prazo, definindo valores intrínsecos muito acima do activo corrente líquido (que pode até ser negativo). Por isso é que em 1998 não vendeu a Coca-Cola, antes da acção lateralizar por mais de uma década:

Gráfico da Coca-Cola Company - NYSE

Qual era o valor intrínseco de cada acção da Coca-Cola em 1998?

$20, $30, $40, $50… ? Não é possível indicar um número exacto.

Preço de compra e venda

Definir um bom preço de compra não é difícil. Também não é difícil identificar se a companhia tem vantagens competitivas e se produz retornos elevados sobre o capital. O mais complicado é saber duas coisas:

  1. se as vantagens competitivas são de facto duradouras, isto é, se vão persistir à prova do tempo (é aquilo a que Warren Buffett chama de “moat”, o fosso à volta dos castelos que os protegia dos inimigos);
  2. e quando vale a pena vender a acção.

 

Sobre este último ponto, gostaria de dizer o seguinte: como ensina Warren Buffett…

“se você não se sente confortável em manter uma acção por 10 anos, não a deve manter por 10 minutos”

… e também…

our favorite holding period is forever

… ou seja, o ideal é pretender manter uma acção para sempre, mesmo que o investidor decida vendê-la no dia seguinte. Isto não significa que não haja circunstâncias em que a venda faça sentido. Não me parece que a queda das cotações seja uma delas (apesar de fazer sentido utilizar stop-losses ou stop-alarms em algumas estratégias que não se enquadram no perfil do Prudente – por exemplo, em algumas estratégias quantitativas).

De forma não taxativa, vou indicar duas circunstâncias em que vender uma acção me parece fazer sentido:

  1. Quando a empresa perde a durabilidade da vantagem competitiva (por exemplo, a Intel tem vantagens competitivas, mas não sei se elas são duradouras, principalmente depois de eu ter experimentado os processadores M1 [e agora M2] da Apple).
  2. Quando o sujeito encontra uma ideia de investimento melhor (por exemplo, em 2018 fazia sentido trocar empresas como a Johnson & Johnson por empresas de elevado yield com elevada qualidade, como a Apple, mas isso depende de muitos factores, tais como impostos, o tamanho e a posição do investidor, etc.).

Nunca vender? Coffee can portfolio!

Há também aqueles que seguem uma abordagem do tipo “coffee can portfolio” – comprar acções todos os meses, acumulando uma lista diversificada de empresas, e nunca as vender, evitando vários vieses comportamentais associados ao momento da venda. Leiam o Manual do Investidor Prudente para conhecer melhor esta estratégia.

Seja como for, o mais importante para o perfil do Prudente é procurar empresas de qualidade (com vantagens competitivas duradouras) e não pagar um preço excessivo por elas.

E como não pagar um preço excessivo por elas? Resposta: elevados yields!

Yield (o caso da Sonae SGPS)

O yield (ou, objectivamente, total net payout yield) é a remuneração que os accionistas recebem em forma de dividendos e recompras de acções próprias líquidas e diluídas (net buybacks). No cálculo do yield é sempre necessário considerar as emissões de acções e os efeitos dilutivos. Eu acho que o Prudente é o único serviço a publicar net payouts que levam em consideração os buybacks líquidos e a diluição provocada pelas compensações salariais em forma de opções e acções, obrigações e acções preferenciais convertíveis, etc. Há empresas que anunciam $10 B de recompras, mas que diluem $9 B para pagar salários. É marketing!

Devido aos interesses minoritários e a outros factores, nem sempre as demonstrações de fluxos de caixa discriminam o valor dos dividendos e dos buybacks que realmente caem no bolso dos investidores. Veja-se, por exemplo, a Sonae, que em 2020 apresentou fluxos de caixa referentes ao pagamento de dividendos de €175 M…

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… o que dá mais de 9 cêntimos por acção, quando na realidade os accionistas apenas receberam menos de 5 cêntimos por acção.

Há algum erro nas contas da Sonae? Não. Simplesmente, a sua demonstração de fluxos de caixa (ao contrário de algumas empresas estrangeiras) não separa os dividendos pagos aos acionistas da Sonae dos dividendos pagos aos acionistas minoritários da Sonae MC, Sonae Sierra e Sonaecom, apesar da nota 26 das contas de 2020 identificar os dividendos distribuídos aos interesses que não controlam:

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Estes factores, aliados às características próprias da contabilidade de cada país (pois o Prudente analisa empresas de todos os países) e à falta de informação (muitas vezes as empresas não indicam o preço a que recompraram as acções), podem dificultar ou impossibilitar o cálculo do total net payout. Por isso, o que fazemos aqui no Prudente é somar os dividendos aos net buybacks estimados, cujo valor é determinado pela multiplicação da variação anual do número médio de acções diluídas pelas cotações médias anuais…

Total Net Payout Yield % = (- variação anual do número médio de acções diluídas x cotações médias anuais + dividendos distribuídos aos accionistas) / Market Cap

… diferentemente do cálculo tradicional:

Total Net Payout Yield % = (Repurchase of Stock – Issuance of Stock + Cash Flow for Dividends) / Market Cap

Além disso, não consideramos o net payout estimado de cada ano, mas a mediana dos últimos 5 anos, prevenindo as variações anuais extraordinárias.

No caso da Sonae SGPS, a estimativa do total net payout – que corresponde à remuneração dos accionistas em forma de dividendos e net buybacks estimados – equivale a aproximadamente 4 cêntimos por acção, devendo subir para 5 cêntimos por acção no final de 2022…

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… e o net payout yield costuma oscilar entre os 6,5% e os 2,5%:

Qual o valor intrínseco de uma acção? 6 | Investidor Prudente

Será que o valor intrínseco da Sonae SGPS corresponde ao intervalo de €0,78-€1,98, corresponde ao yield médio de 4,4% ou corresponde a mais de €2 (yields iguais às taxa de juro sem risco)? Não sei, mas podemos afirmar que a 6% de yield, quando as cotações caem abaixo de €0,70-€0,80 por acção (como em 2020 e 2021), obtemos um bom preço de compra, com margem de segurança de 50% face à média do mercado de acções (4%):

Como investir no mercado de acções em Portugal - o guia passo a passo 12 | Investidor Prudente

Ainda assim, há investidores (como a família Azevedo) que não vendem a acção a 2% de yield. Essa decisão só o próprio investidor saberá determinar.

Os yields da Lista Completa de Acções do Prudente estão reservados apenas aos subscritores. Se desejar consultá-los, subscreva o nosso serviço:

Como avaliar o preço de uma acção? 10 | Investidor Prudente

 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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