Uma das questões mais recorrentes que eu recebo dos leitores do Investidor Prudente é a seguinte:
Devo fazer stock picking (escolher as acções) ou investir num fundo de mercado (ETF)?
Resposta preliminar: depende! Propor aqui uma solução imperativa para todos os casos, desconsiderando a circunstância pessoal de cada leitor, seria um erro. Mas vou indicar um caminho de discernimento, sem o qual o investidor jamais terá paz de espírito.
Investir em acções?
Já todos devem saber que as acções (os títulos que garantem a propriedade de uma empresa) são o activo que melhor remunerou os accionistas nos últimos séculos…
… mas as decisões imprudentes podem gerar perdas irreparáveis.
Más decisões e perdas irreparáveis
Ainda hoje falei com um investidor que perdeu dezenas de milhares de euros num serviço de aconselhamento financeiro, através de uma casa de CFDs muito mal regulamentada (as bucket shops da era moderna, que são autênticos casinos ou casas de apostas alavancadas), e que procurava recuperar o dinheiro perdido. Há também outros que investiram em fundos de investimento e que, por desconhecimento ou desleixo, perderam (ou vão perder) grande parte da rentabilidade para as comissões de gestão (cuidado com os PPRs de acções e os seus benefícios fiscais; os custos de gestão comem-nos).
Contratar um gestor
As grandes instituições financeiras (como os bancos) e as equipas de gestão de carteiras ganham o que o cliente deixa de ganhar, mas há investidores que as procuram por vários motivos racionalmente válidos – necessidade de gerir um family office, desconhecimento total das operações em Bolsa, motivos testamentários, etc. No entanto, é muito difícil um grande fundo “bater (superar) o mercado”, por duas razões principais:
- Tamanho: ter muito capital sob gestão torna difícil a tarefa de alocar com eficiência e obter excelentes rentabilidades (não é por acaso que Warren Buffett – entre outros – obteve as maiores rentabilidades no início da carreira)
- Comissões: 2% ou 3% de comissões anuais prejudicam bastante a performance da carteira e dificultam enormemente a tarefa de superar o índice.
A esses investidores que não querem sequer abrir uma conta num intermediário financeiro (numa corretora, por exemplo, através da qual se pode comprar as acções) só posso dar uma recomendação: para delegar a gestão da carteira de investimentos a um terceiro (ou seguir a sua recomendação) é necessário não só confiar na pessoa ou instituição, mas também ter uma filosofia de investimento alinhada com a do gestor.
Tomar as próprias decisões em Bolsa
É sabido que os pequenos investidores particulares têm grandes vantagens sobre os institucionais. Aqueles que desejam tomar as suas próprias decisões de investimento podem obter resultados superiores à generalidade dos fundos activos, desde que a atitude seja informada, racional e sensata. Normalmente, estes investidores têm duas saídas:
- ou investem num fundo passivo (que vai replicar um índice – o S&P500, por exemplo; atenção: somente physical accumulating non-leveraged ETFs de baixo custo e líquidos)
- ou investem directamente nas empresas (realizando a própria análise, que exige especialização e um trabalho a tempo inteiro, ou contratando um serviço de consultoria alinhado com os seus interesses)
Investir num fundo passivo
Antes de mais, é necessário indicar ao leitor que a participação em fundos de investimento e a compra de ETFs não garantem a propriedade das empresas – nestes casos, o proprietário das acções é o administrador do fundo; os investidores em fundos somente detêm uma participação no próprio fundo e direitos sobre este. Esse é um risco acrescido que exigiria um estudo aprofundado (riscos de liquidez, de contraparte, fraude, erro, etc.).
Os índices de mercado não representam, por vezes, a generalidade do mercado. Em muitos casos, estes representam as empresas de maior ponderação no índice, às quais os investidores vão ter uma maior exposição. No final de 2020, as 6 maiores empresas tinham um peso elevado em todo o S&P500:
Ao investir num ETF, os investidores acabarão por comprar boas e más empresas, expondo-se demasiado às mais representativas. E dependendo do mercado, a rentabilidade poderá ser melhor ou pior do que a dos anos anteriores. Veja-se o exemplo da Bolsa japonesa, que somente no ano 2020 ultrapassou os valores máximos de 1991…
… ou o S&P500 entre 2000 e 2013:
E qual é a rentabilidade que um investidor em fundos de índice poderá esperar? A rentabilidade do índice Dow Jones, entre 1896 e 2021, foi de 6,9% ao ano (ajustado à inflação, com os dividendos reinvestidos, ignorando as comissões e os impostos):
Considerando as comissões e os impostos, além do timing de mercado, essa rentabilidade seria menor (talvez 5%-6% ao ano).
Investir directamente nas empresas
E quanto poderá ganhar investindo directamente nas empresas, assumindo-se como um pequeno dono das companhias? Isso vai depender da política de investimento e das escolhas. Umas acções podem fracassar e outras prosperar. Por exemplo, na Infosys, que analisei há uns tempos, a decisão mostrou-se muito acertada, mas nem sempre os resultados são imediatos:
No Manual do Investidor Prudente em Acções propus vários critérios (um pouco arbitrários e não taxativos) para identificar boas empresas, que produzam bons rendimentos, cotadas a bons preços, partindo do exemplo dos grandes investidores, desde Benjamin Graham a Warren Buffett (e mais além):
- Tamanho adequado (large caps – blue chips)
- Uma condição financeira suficientemente forte (pouca dívida ou rácios de capital adequados)
- Nenhum prejuízo operacional nos últimos dez anos
- Elevado retorno sobre o capital
- Distribuição ininterrupta de dividendos durante os últimos vinte anos
- Net Payout Yield elevado
- Margem de segurança (não pagar um preço acima do valor intrínseco)
- Vantagens competitivas duradouras e gestores honestos
Não é certo que uma boa estratégia de investimento consiga garantir a superação dos índices de referência em todos os anos ou em todas as décadas, mas é certo que os investidores prudentes devam exigir uma coerência e racionalidade interna a qualquer estratégia de investimento. Parece-me evidente que uma boa estratégia orientada às empresas de grande capitalização (large caps – blue chips) deva exigir empresas eficientes, com alto retorno sobre o capital, pouca dívida e excelentes owner earnings (à letra, “lucros do dono”) – Warren Buffett e Charlie Munger ensinam-no.
Ganhar mais de 600%
Realizei vários testes quantitativos para aferir o resultado dos critérios mais importantes: escolhi carteiras de 10, 20 e 30 empresas com mais de $10 B de capitalização bolsista, baixo endividamento e elevado retorno médio sobre o capital, listadas segundo os melhores free cash flow yields e owner earnings yields anuais. Os resultados foram impressionantes! Em 15 anos, as carteiras seleccionadas de acordo com estes critérios geraram retornos superiores a 600% (ou seja +13% ao ano), enquanto o S&P500 gerou 380%:
Nota: o S&P 500 ETF inclui o reinvestimento dos dividendos, as carteiras não; logo, o resultado das carteiras é maior do que o anunciado.
- Carteira de 10 empresas; ao melhor free cash flow yield (rebalanceamento anual) = 616% de retorno total em 15 anos
- Carteira de 20 empresas; ao melhor free cash flow yield (rebalanceamento anual) = 620% de retorno total em 15 anos
- Carteira de 30 empresas; ao melhor free cash flow yield (rebalanceamento anual) = 584% de retorno total em 15 anos
- Carteira de 10 empresas; ao melhor owner earnings yield (rebalanceamento anual) = 642% de retorno total em 15 anos
- Carteira de 20 empresas; ao melhor owner earnings yield (rebalanceamento anual) = 550% de retorno total em 15 anos
- Carteira de 30 empresas; ao melhor owner earnings yield (rebalanceamento anual) = 520% de retorno total em 15 anos
É verdade que não se pode considerar apenas um pequeno estudo quantitativo (15 anos é pouco tempo), ignorando as questões importantes que a análise individual das empresas ajuda a esclarecer. No entanto, ele tem o mérito de mostrar o potencial do campo de trabalho do Investidor Prudente.
Quanto poderá ganhar?
Quanto poderá ganhar no futuro investindo em boas empresas? Bem… não é possível ficar milionário da noite para o dia. Uma rentabilidade média de 10%-15% ao ano já é um óptimo resultado. É sabido que o desempenho passado não garante resultados futuros, mas já pensou o quanto poderia ter ganho se tivesse investido numa acção do McDonald’s em 2010, quando o dividend yield estava em níveis altos (acima de 3,6%), comprando a acção a $60…
… e vendendo em Julho de 2021, quando o dividend yield caiu para 2,1% (considerado um nível baixo)?
Teria transformado um investimento de $1.000 em $4.426:
E quanto teria ganho na Apple, quando o net payout yield superou os 6%, ali em 2014 e nos anos seguintes?
A acção subiu mais de 677% (sem considerar os dividendos):
E quando as coisas correm mal?
É certo que o Investidor Prudente vai procurar investir apenas em excelentes empresas, mas os negócios destas também podem correr mal. Veja-se o que aconteceu à Boeing, que foi fortemente impactada durante a pandemia de 2020, tal como comentei no último artigo:
Faça as suas contas
Já pensou o quanto poderá ganhar investindo no longo prazo? Quanto dinheiro poderá acumular com um investimento de €50.000 e uma poupança mensal de €500 (ou €6.000 por ano)? Vamos supor que a rentabilidade anual média esperada é de 10%. Iria ficar milionário, transformando as suas poupanças em €1.774.118:
E se a rentabilidade subir para 12%? O resultado subiria para €2.779.492:
É incrível ver a diferença que 1% ou 2% fazem no cálculo do juro composto!
Se desejar, pode descarregar e alterar os parâmetros da folha de excel…
… mas vá com calma, e procure respeitar os princípios da alocação recomendados por Benjamin Graham (entre outros), que procurei sintetizar no Manual do Investidor Prudente em Acções (download gratuito):