Por causa da minha paixão pela bolsa e pelo mercado de acções, fiz uma licenciatura em Contabilidade, depois de ter estudado Direito. A contabilidade é (a meu ver) a principal disciplina de base para quem investe em bolsa; é a linguagem dos negócios. Não estou sozinho nesta minha afirmação:
Hoje, a contabilidade das empresas é mais compreensível do que no passado (onde as contas eram quase caixas negras), pois as normas contabilísticas dos países tornaram-se mais padronizadas. Nos EUA temos as normas GAAP (Generally Accepted Accounting Principles), mas verifica-se hoje, na maioria dos países, uma tendência para a adopção das normas internacionais IFRS (International Financial Reporting Standards).
O problema do lucro
Apesar da crescente compreensibilidade (e complexidade) das contas, o lucro das empresas continua (como no passado) a ser uma medida contabilística dependente de várias estimativas, não correspondendo exactamente ao dinheiro que as companhias recebem. Uma empresa pode ser lucrativa, mas o dinheiro não entrar para o caixa, e vice-versa; pode apresentar prejuízos e o dinheiro continuar a entrar na empresa (por exemplo, há custos que afectam o lucro das empresas e não o caixa, e que podem ser ignorados pelos investidores, como a amortização do goodwill e certas perdas por imparidade).
O pai da análise de investimentos, Benjamin Graham, recomendava não considerar o lucro de um só ano, mas a média de lucros dos últimos 5/10 anos (aquilo a que ele chamava de earning power).
Nota: nas growth stocks, Graham também considerava as médias de lucro, mas estas acções de crescimento rápido exigiam outras considerações.
O earning power era uma forma fácil de atenuar o ruído de curto prazo dos resultados anuais, que, segundo Graham, não eram confiáveis. Veja-se o exemplo da Coca-Cola, que em 2017 teve um lucro líquido de $0,29 por acção e $2,25 em 2021 (quase dez vezes mais):
Estas fortes variações do lucro resultaram de impactos não recorrentes, e não reflectem a quantidade de fluxos de caixa que entraram na empresa (que não sofrem essas oscilações). Por isso, se Graham fosse vivo, iria considerar em 2020 um earning power de $1,58 (média dos últimos 5 anos) e não o lucro anual de $2,25 por acção, na avaliação da Coca-Cola. Graham procuraria também não pagar um múltiplo exagerado (superior a 25x):
25 x $1,58 = $39,50
Hoje não, mas durante o crash pandémico as acções da Coca-Cola transaccionavam a preços muito mais prudentes:
Mercados sobreaquecidos e acções baratas
Tal como Benjamin Graham, o professor Robert Shiller, vencedor de um Prémio Nobel, também considera as médias de lucro na avaliação das empresas e do mercado. Ele criou o chamado cyclically adjusted price-to-earnings ratio (Shiller PE), um rácio que indica a relação entre o preço e o lucro médio dos últimos 10 anos ajustado à inflação. Como se vê, o mercado está sobreaquecido (o Shiller PE do S&P500 está quase a chegar aos 40x)…
… mas nada está tão caro que não possa ficar ainda mais caro – na década de 90, a bolsa japonesa atingiu um Shiller PE de 100x. Como explica Howard Marks, à medida que os mercados sobem, a remuneração que os investidores exigem dos activos…
… tende sistemicamente a diminuir…
… e é nessas alturas que muitos erros de avaliação são cometidos. Mas o facto disso acontecer no mercado como um todo não significa ocorra em cada uma das empresas individualmente consideradas. Apesar do crescimento do earning power das companhias não ter acompanhado a forte subida das cotações, nos últimos anos, é sempre possível encontrar boas empresas cotadas a bons preços.
O método do yield
Os métodos de avaliação propostos por Graham e Shiller, baseados na análise do lucro médio, dão uma grande ajuda aos investidores, pois evitam o ruído induzido no lucro de um determinado ano, mas na página 70 da nova edição do Manual do Investidor Prudente (download aqui)…
… eu propus uma avaliação com base na análise do yield, isto é, da remuneração proporcionada aos investidores em forma de dividendos e recompras de acções próprias (o chamado net payout yield). Ao contrário do lucro líquido, o yield não mente, não é manipulável ou sujeito ao erro. Não faltam exemplos de erros e fraudes contabilísticas praticadas por empresas que poderiam facilmente ser evitadas pelos investidores, se estes considerassem o método do yield:
- Kraft Heinz encontra erro milionário em balanços financeiros
- Farmacêutica Merck terá também cometido fraude contabilística
- GE é acusada de maior fraude da história, de US$ 38 bilhões
- Toshiba demite presidente envolvido em escândalo contábil
- AIG admite irregularidades milionárias nos balanços
- etc.
Prossigamos com o método… tomemos o exemplo do McDonalds, que oferece uma remuneração aos accionistas em forma de dividendos e buybacks de $9,81 por acção, proporcionando um yield de 3,9%, à cotação de $248,53 (à data deste artigo):
Um yield de 3,9% não é mau, neste ambiente marcado por taxas de juro negativas, mas ainda há pouco tempo o mercado vendia yields superiores a 6%. Por exemplo, em 2018, quando a cotação caiu abaixo de $160:
Os investidores que compraram o yield barato de 2018 estão com uma óptima valorização (+60%):
Agora, só me interessaria comprar acções do McDonalds se estas caíssem abaixo de $164.
Apesar das acções do McDonalds não oferecerem hoje o mesmo yield, e do mercado de acções estar sobreaquecido, é ainda possível comprar outras boas empresas a bons preços – como se vê pela lista de acções do Prudente…
… – bastando para isso considerar o earning power das empresas em relação ao seu preço ou o método do yield (que constitui a remuneração dos accionistas). Vou falar um pouco mais acerca deste método.
Metodologia do Prudente (passo-a-passo)
Tal como foi explicado no artigo Porque os dividendos importam…
… as empresas que pagam dividendos sustentáveis, constantes e crescentes ao longo de décadas possuem, em grande parte dos casos, negócios resilientes com vantagens competitivas duradouras e elevados retornos sobre o capital, produzindo desempenhos extraordinários em bolsa, no longo prazo:
Mas, após a década de 80 (principalmente), as empresas começaram a remunerar os accionistas através da recompra de acções próprias (buybacks), além dos dividendos. Ao diminuir o número de acções em circulação, a participação dos accionistas aumentava, não estando essa operação sujeita a impostos (como no caso dos dividendos). É necessário dizer aos mais entendidos que não basta saber a quantidade de buybacks realizados pelas empresas em determinado ano (que muitas vezes não passa de marketing) ou conhecer os buybacks enunciados na demonstração de fluxos de caixa (que podem conter interesses minoritários e ser diluídos por vários factores: como, por exemplo, a emissão de employee stock options), mas estimar os buybacks líquidos e diluídos médios dos últimos anos.
Apesar do dividend yield ter diminuído, o buyback yield aumentou, mantendo a média histórica do total net payout yield em 4%:
Salvo exceções, considero que os Investidores Prudentes devem exigir uma margem de segurança de 50% sobre a remuneração de 4%…
4% x 1,5 = 6%
… ou seja, 6%, prevenindo-se contra as quedas de lucro que possam obrigar as empresas a diminuir a remuneração aos sócios. Então, o que fazemos aqui no Prudente é procurar as melhores empresas que tenham os melhores yields do mercado e formar uma carteira de 10-30 empresas, tal como recomendado por Benjamin Graham.
Resumindo:
- Geramos uma lista com todas as acções do Prudente, ordenada pelos melhores yields.
- Separamos o trigo do joio, excluindo as piores empresas da Lista Completa de Acções do Prudente (disponibilizada aos subscritores).
- Escolhemos a melhor acção do momento, uma vez por mês, enviando aos subscritores a «Acção do Mês».
- Acompanhamos os resultados de todas as «Acções do Mês», até que saiam dessa categoria.
- Repetimos o processo, fazendo com que os juros compostos trabalhem a nosso favor.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico