Bom dia, caros investidores.
Como alguns saberão, a minha formação académica é um bocado esquizofrénica – vai da contabilidade, direito, etc., até à música…
… mas, curiosamente, eu não costumo usar o Spotify. Já explico…
Quando se fala em plataformas para ouvir música, eu ainda penso nos meus CDs e discos de vinil, e normalmente só oiço música e leio partituras de grandes compositores eruditos e tradicionais (os novos hits do Spotify dão-me cãibras nos ouvidos). Nesta área, quando quero saber novidades vou directamente à fonte (músicos, compositores, projectos, editoras, etc.). Aí, a riqueza de conteúdo ultrapassa aquilo que o Spotify tem para oferecer.
Uma coisa eu sei: as vendas do Spotify não param de crescer, apesar do actual boicote (que me parece um fenómeno ocasional)…
Depois de Neil Young e Joni Mitchell, estes artistas estão a deixar a Spotify
… mas a acção caiu para perto do price-to-sales mínimo, onde esteve em 2020 no crash pandémico:
Estando a receita a crescer 22% no último trimestre, face ao período homólogo, haverá aqui alguma oportunidade de investimento a longo prazo?
1. Apresentação
O Spotify é o serviço de streaming de áudio mais popular do mundo, com uma comunidade de 406 milhões de utilizadores activos (incluindo 180 milhões de assinantes Premium) em 184 países e territórios, de acordo com as últimas publicações:
O relatório e contas não é o Form-10K, mas o 20F, pois a empresa tem sede no Luxemburgo, apesar de estar cotada na NASDAQ. Os escritórios principais da empresa estão localizados na Suécia, local onde foi fundada (em 2006) e onde 26% dos colaboradores trabalham.
Recentemente, o vinil ultrapassou o CD, mas o que realmente impulsionou o Spotify na última década foi o crescimento do streaming:
Para transmitir conteúdo, seja músicas ou podcasts, a Spotify costuma adquirir os direitos de propriedade intelectual, pagando licenças e royalties aos detentores de direitos e aos seus agentes. Para isso, a empresa costuma realizar contratos com editoras independentes e grandes estúdios de produção, como a Universal Music, Sony Music, Warner Music, entre outros. Mas o mundo da propriedade intelectual é extremamente complexo, e por vezes a Spotify é processada:
A companhia ganha dinheiro de duas formas – com publicidade e subscrições:
- Ad-Supported – serviço gratuito onde a empresa gera receita através de publicidade.
- Premium – serviço pago que permite ao utilizador ouvir música sem anúncios, transferir música, reproduzir qualquer música de forma ilimitada e avançar entre as músicas (coisas que o serviço gratuito não permite).
O serviço premium representa mais de 85% da receita, apesar de corresponder a 44% dos utilizadores activos:
A distribuição geográfica dos utilizadores totais é relativamente equitativa…
… mas 69% dos utilizadores premium estão na Europa e na América do Norte:
2. Principais Accionistas
O 2º maior accionista da Spotify, com mais de 11% de participação, é o co-fundador Martin Lorentzon. O CEO Daniel Ek é o 5º maior:
3. Gráfico de Longo Prazo e Dividendos
A cotação está a chegar ao preço do IPO (realizado em 2018):
Não se espera que haja distribuições de dividendos para breve:
We do not expect to pay cash dividends in the foreseeable future.
4. Evolução do Número de Acções e Valor de Mercado
Nos últimos 12 meses houve uma diminuição do número de acções, tal como em 2019, mas estas têm aumentado desde o IPO:
A Spotify vale $33,5 B em bolsa.
5. Informação Financeira
A receita cresce em linha recta…
… mas os lucros… nem vê-los; só prejuízos:
Apesar disso, a empresa gera caixa operacional acima das despesas de capital…
… e o caixa de €2,7 B ultrapassa a dívida de longo prazo (constituída pelas Exchangeable Notes):
6. Desenvolvimento
O principal risco da Spotify é a concorrência, apesar do número de subscritores pagos superar individualmente o número de subscritores da Apple Music, Amazon Music, Youtube Music…
… e da Pandora da Liberty SiriusXM (já analisada no Prudente), que está a cair em desgraça:
No próximo trimestre, a empresa espera continuar a aumentar o número de utilizadores activos mensais (MAUs) de 406 M para 418 M…
- Total MAUs: 418 million
- Total Premium Subscribers: 183 million
- Total Revenue: €2.60 billion
- Assumes approximately 360 bps tailwind to growth Y/Y due to movements in foreign exchange rates
- Gross Margin: 25.0%
- Operating Profit/Loss: €(67) million
… e os analistas esperam um aumento da receita de 20% em 2022 (valores em USD):
A companhia anunciou um programa de recompra de acções próprias no valor de $1 B (USD) até 2026, o que dá uma média de $250 M por ano…
On August 20, 2021, Spotify announced a program to repurchase up to $1.0 billion of its ordinary shares. The repurchase program will expire on April 21, 2026. In Q4, the company repurchased 300,724 ordinary shares for €59 million under the Share Repurchase program at a weighted average cost of $222.42 per share. In 2021 the company repurchased a total of 458,234 ordinary shares for €89 million at a weighted average cost of $222.57 per share.
… um valor coberto pelo fluxo de caixa livre do último ano (EUR €277 M = USD $316 M):
Considerando o market cap de $33,5 B, esses $316 M produzem um yield de apenas 0,94% ao câmbio de hoje, o que não é muito atractivo. E como o propósito do grupo é o crescimento, pode ainda vir a emitir novas acções ou endividar-se mais:
We may require additional capital to support business growth and objectives
We intend to continue to make investments to support our business growth and may require additional funds to respond to business challenges.
7. Conclusão
Considero a acção da Spotify arriscada para o temperamento do Investidor Prudente, apesar do seu price-to-sales estar próximo ao mínimo histórico e da acção poder subir até à mediana (nos $250). Além da empresa não ter dinheiro suficiente para remunerar os accionistas (que deverão ter um yield de apenas 0,94%, se a sua participação não for diluída) – pois o capital está a ser usado para financiar o crescimento – o seu ambiente competitivo gera muitas incertezas. A empresa tem vantagens competitivas (utilizadores, marca forte, parcerias, quantidade de músicas, etc.), mas estas podem não ser duradouras. Apesar disso, vou continuar a seguir a empresa.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
4 respostas
A notícia do patrocínio do FC Barcelona (https://marketeer.sapo.pt/280-milhoes-de-euros-spotify-vai-patrocinar-o-barcelona-nas-proximas-epocas) deu-me alguma confiança. Penso que se a gestão não acreditasse no futuro do negócio não ia “torrar” 280M.
Cmpts,
André
Olá, André. Esse €280M correspondem a quase 25% dos gastos com vendas e marketing de 2021. É de facto um valor elevado, mas necessário para manter a vantagem competitiva. Há muitos motivos para um gestor torrar €280M (entre eles, acreditar no futuro da empresa). Mas o futuro real da empresa vai depender de muitos factores (e se a google decidir colocar o youtube music 100% gratuito para ganhar mercado, como fez com o google photos?). O problema mais imediato que eu vejo é o seguinte: a Spotify não gera um caixa operacional que justifique o preço actual; a cotação já está a descontar expectativas futuras que podem ou não realizar-se.
Tudo de bom, André.
Boas Hélder,
Estando agora o Spotify no último mês a cotar a volta dos 100$ , acredito q a oportunidade é bastante diferente.
Está abaixo dos mínimos de todos os tempos apesar do IPO ter sido recente.
Continuação ..
Depende do perfil do investidor. Para um investidor do tipo Prudente/Buffett/Munger/Lynch não, pois a empresa ainda não gera um caixa operacional que justifique a capitalização bolsista de $20 B (não ficaria admirado se caísse mais metade, para $10 B), sem falar na remuneração aos accionistas, que tão cedo não vão ver dinheiro no bolso. Isso não significa que a acção, as vendas e os lucros não possam subir bastante num curto espaço de tempo, mas é muito especulativo. Além disso, pessoalmente eu não consigo intuir como estará o mercado de streaming daqui a 10 anos. Bom fim-de-semana, David.