Para aliviar o impacto do coronavirus na economia, o presidente Trump (que está com eleições à porta) promulgou um pacote de $2 T em relação ao qual as empresas de cruzeiros vão ficar excluídas. Trump reconheceu que estas empresas dão trabalho a muitos americanos (mais de 421.000) e que promovem a actividade económica dos Estados Unidos, mas que seria muito difícil emprestar dinheiro a uma empresa com sede fiscal noutro país. Trump concordou com o senador Hawley:
“Come back to America and pay your taxes.”
E a Royal Caribbean declara não ser uma empresa americana (secção dos factores de risco, no form 10-k):
“We are not a United States corporation and our shareholders may be subject to the uncertainties of a foreign legal system in protecting their interests.”
Isto gerou o pânico (que é bom para os investidores de longo prazo) e forte volatilidade, e a acção caiu quase 85%:
O coronavirus teve um impacto forte nas operações da companhia. A empresa tomou a decisão de suspender todos os cruzeiros por um período de 30 dias, esperando voltar ao trabalho no dia 11 de Abril (já estendeu até ao dia 11 de Maio). O Chairman da empresa, Richard Fain, já lançou um vídeo…

… com uma mensagem de esperança…
“Mesmo diante desse cenário muito sério, o trabalho continua na Royal Caribbean.”
…enquanto vende as suas acções no mercado, juntamente com outros administradores (situação que já dura há vários anos):
Se o «Chairman & CEO» não quer as acções da companhia que ele tão bem conhece, porque hei-de eu querer?
1. Apresentação
A Royal Caribbean Cruises é a 2ª maior companhia de cruzeiros do mundo. A empresa controla 4 marcas (“Global Brands”):
- Royal Caribbean International
- Celebrity Cruises
- Azamara
- Silversea Cruises
Além dessas, a empresa tem participação em mais 2 marcas (“Partner Brands”):
- TUI Cruises (empresa alemã; a Royal Caribbean tem 50% desta joint venture)
- Pullmantur (empresa espanhola; a Royal Caribbean tem 49% de participação nesta empresa)
Somadas, as “Global Brands” e as “Partner Brands” operam um total de 61 navios…
…em mais de 1000 itinerários…
…com uma capacidade agregada para 141.570 beliches (dados de 31 de Dezembro de 2019), o que corresponde a quase 25% do mercado global:
O principal concorrente é o Grupo Carnival Corporation, que é proprietário de 104 navios (70% mais do que a Royal Caribbean). Nas últimas semanas também sofreu uma hecatombe:
2. Principais Accionistas
Os administradores estão há muito tempo a vender as acções e os principais accionistas são fundos de investimento (por exemplo, a Vanguard deve comprar apenas para estruturar fisicamente os seus famosos fundos e ETFs de índices):
3. Gráfico de Longo Prazo
Eu pensei que, depois do filme “Titanic”, em 1997, as pessoas iriam ter medo deste tipo de viagens, mas a cotação mais do que duplicou nesse ano. Acho que teve o efeito contrário. A cotação tem acompanhado a evolução do índice SP500, com períodos de overbought e oversold (como o actual momento):
No entanto, a companhia tem distribuído dividendos desde 1993…
… e o dividend yield nunca esteve tão alto (o que não quer dizer que este seja um indicador de «oportunidade de investimento»).
4. Evolução do Número de Acções e Valor de Mercado
Na década de 90, o número de acções duplicou; depois estabilizou. Nos últimos anos, o número de acções tem vindo a diminuir…
… e, por vezes, as compras de ações próprias têm superado o valor distribuído aos accionistas sob a forma de dividendo (por isso é que eu prefiro o Shareholder Yield – que tem ultrapassado a rentabilidade dos Dogs of the Dow – ao Dividend Yield):
À cotação actual de $29,77, o Valor de Mercado da Royal Caribbean é de $6.222 M.
5. Informação Financeira
A Receita tem aumentado em linha recta, a um ritmo de 9,6% ao ano:
É curioso ver que 28% da Receita é gerada a bordo do navio, depois dos clientes terem comprado o bilhete de férias. A Margem Líquida é boa (17%) e o valor das depreciações – nas quais se inclui a dos navios (que têm uma vida útil de 30-35 anos e um valor residual de 10%-15%), está controlada (11%):
Os custos com juros aumentaram para $408,5 M em 2019, com o financiamento das novas construções navais e a Dívida Líquida Total é de $10.433 M. O «Net Debt/EBITDA» é de 3,03x e está abaixo da maioria das empresas do sector. O lucro atribuível aos accionistas é de $1.709 M, colocando o PER num valor extremamente baixo… é somente 3,6x:
6. Conclusão
Os esforços da China e de outros Estados para conter a propagação do covid-19 impactaram negativamente os negócios da empresa, tendo provocado:
- queda na procura por cruzeiros
- cancelamentos das reservas dos clientes
- restrições nas viagens
- encerramento de alguns portos
- indisponibilidade da equipa de tripulação
- cancelamento e suspensão de cruzeiros
- etc.
Foram implementadas várias medidas para proteger os hóspedes e os tripulantes, como por exemplo: negar o embarque para aqueles que viajaram para a China ou Hong Kong nos últimos 15 dias, realizar exames de saúde especializados em hóspedes e tripulantes de risco, etc.. Face às incertezas, a empresa já declarou não saber qual a previsão dos resultados para 2020:
There are still too many variables and uncertainties regarding the impact of this outbreak on our business in Asia and elsewhere to reasonably forecast the full impact on our business, including what our yields and earnings for 2020 will be. These concerns and restrictions over the outbreak are impacting our bookings and are having, and are likely to continue to have, a material impact on our overall financial performance.
A empresa parece-me boa e está numa posição de liderança, mas há alguns factores que me fazem ficar com o pé atrás:
- O crescimento da dívida (que poderá continuar a aumentar, em consequência da injecção de liquidez na banca e dos problemas financeiros de curto prazo que a empresa pode vir a enfrentar);
- Os contratos dos navios em construção (cujo pagamento terá de ser cumprido);
- O desinteresse dos administradores pelas acções da empresa (não é algo recente);
- A desinteressada estrutura accionista (não existe skin in the game);
- O risco de perdas por imparidade relacionado com o valor dos navios.
No entanto, a empresa está muito desvalorizada e o seu negócio tem barreiras à entrada de outros concorrentes, pois não é fácil comprar uma frota de navios e adquirir o know-how essencial à gestão eficiente daqueles tours turísticos.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico