Bom dia, caros investidores.
Para os maximalistas, o bitcoin – que é a criptomoeda mais popular e valiosa do mundo – é um activo digital supremo; eles consideram que todas as outras milhares de moedas digitais são inferiores, como dinheiro e reserva de valor. E porquê? Antes de mais, é necessário explicar o trilema da escalabilidade (termo cunhado por Vitalik Buterin, criador do Ethereum).
Actualmente, os sistemas baseados na blockchain (que é a sequência de blocos que contêm os registos públicos de todas as transacções) só podem ter duas de três propriedades: segurança, descentralização e escalabilidade.
- Segurança: defesa contra invasores que procuram destruir a segurança do sistema (não tem nada a ver com o roubo de criptomoedas nas exchanges, mas com a segurança da infra-estrutura); a meu ver, a bitcoin é a mais segura das criptomoedas.
- Descentralização: nível de controlo da blockchain por parte de um ou mais agentes; a meu ver, a bitcoin é a mais descentralizada, não podendo ser controlada por um minerador (o agente que confirma as transacções), por uma empresa ou por um governo.
- Escalabilidade: capacidade de crescimento e processamento da rede; bitcoin não é muito escalável, sendo este um dos principais elementos de crítica (infundados, na minha opinião… já explico).
Se uma criptomoeda é segura e escalável, não é descentralizada. Se é descentralizada e escalável, não é segura. A bitcoin é segura e descentralizada, mas não é rápida. Só para se ter um referencial de comparação: a rede bitcoin pode (actualmente) processar 7 tps (transacções por segundo), enquanto a Visa processa 24.000 tps.
Mas será que isto é um defeito, como apontam os críticos e os restantes criadores de forks de bitcoin (isto é, versões modificadas do bitcoin, como o bitcoin cash, litecoin, etc.)? Não! Na concepção dos maximalistas (que me parece acertada), é bom que assim seja, pois a escalabilidade da bitcoin não será providenciada pela própria camada do Bitcoin (com maiúscula, em referência à infra-estrutura, não à moeda/token), mas por uma segunda camada. Os bancos, as redes de pagamentos (Visa, Mastercard, Paypal, etc.), a rede Lightning do Bitcoin, as corretoras (como a Coinbase, que até já permite gastar as criptomoedas com cartão Visa), entre outros agentes, poderão adquirir bitcoins e providenciar transacções rápidas de dinheiro, usando as bitcoins adquiridas como garantia (excepto a rede Lightning, que é interessante e poderosa, mas um pouco diferente). É voltar ao velho sistema bancário, em que os depósitos correspondiam a 100% do colateral (da garantia em ouro), mas com as vantagens de uma nova moeda descentralizada, escassa (só haverá 21 milhões de bitcoins), deflacionária (muitas vão continuar a perder-se), rápida, desburocratizada, portátil, divisível, fungível e segura. Pela primeira vez na humanidade, é possível ter a propriedade de facto sobre uma moeda, pois os bitcoins não podem ser expropriados… podem até ir para a cova juntamente com o morto, perdendo-se para sempre. É propriedade intelectual.
O mais seguro é sempre possuir bitcoins numa cold wallet (numa carteira “desligada” da internet), mais especificamente numa paper wallet (carteira de papel) gerada offline, numa impressora offline, e protegida por password…
… embora também seja recomendado, em alternativa, usar uma hardware wallet deste tipo:
Não recomendo a ninguém comprar ou deixar de comprar bitcoins. Há riscos. Bitcoin não é investimento, mas cultura. É guerra contra o actual sistema monetário mundial baseado na moeda fiduciária. No futuro, acredito que haverá choro e ranger de dentes, pois os governos não querem perder a sua soberania e a prerrogativa da emissão de moeda (irão certamente perseguir os bitcoiners, isto é, as pessoas que têm bitcoins)… excepto alguns:
Os maximalistas não assumem isto como investimento ou especulação – muitos estão dispostos a perder dinheiro, e nunca irão vender os seus bitcoins, até que haja um novo padrão monetário, um bitcoin standard.
Quer se goste ou não, isto poderá impactar mais a sociedade e os mercados financeiros do que própria internet. O welfare state nunca será o mesmo. Se desejar saber mais sobre o assunto, recomendo que comece pela leitura destes dois livros, seguindo depois a bibliografia lá aconselhada:
Superada esta longa introdução, o leitor pode questionar-se: porquê analisar agora a Coinbase, uma das maiores e mais seguras corretoras de criptomoedas do mundo? Por causa desta notícia:
BlackRock faz parceria com a Coinbase para expandir no setor cripto
Sabe-se da possibilidade do Senado americano regular o bitcoin como commodity (as restantes criptos serão reguladas como companies), e este passo da Blackrock é um sinal positivo que poderá favorecer o mercado de criptomoedas e as exchanges (como a Coinbase). A acção abriu logo a subir mais de 30%.
1. Apresentação
A Coinbase é a maior exchange de criptomoedas dos EUA. A empresa opera uma corretora de troca de criptomoedas e outros serviços financeiros, e não possui uma sede física, pois todos os funcionários trabalham de forma remota.
A empresa foi fundada em 2012 por Brian Armstrong, ex-engenheiro do Airbnb, e por Fred Ehrsam, um ex-operador do Goldman Sachs. Hoje, os números são impressionantes…
… pois a empresa tem quase 100 milhões de utilizadores verificados (os que enviam os dados pessoais – como o cartão de cidadão – para poderem realizar certas operações), incluindo 11.000 clientes institucionais e 210.000 parceiros (ecosystem partners)…
• Retail users: We serve as the users’ primary crypto account, both hosted and self hosted – safe, trusted, and easy-to-use ways to discover,invest, stake, store, spend, earn, borrow, and use crypto assets.
• Institutions: We provide a platform solution for safely accessing and transacting in crypto markets to institutions such as asset managers,hedge funds, banks, wealth platforms, registered investment advisors, payment platforms, and public and private corporations of all types. CoinbasePrime combines advanced trading, custody, analytics, and financing products on a single platform, built on top of a robust security infrastructure.Through our smart order routing tools, institutions can access deep pools of liquidity across the crypto marketplace and get the best priced execution inour network of connected trading venues when buying and selling.
• Ecosystem partners: We provide developers, creators, merchants, and asset issuers a platform with technology and services that enablesthem to build applications that leverage crypto protocols, actively participate in crypto networks, and securely accept cryptocurrencies as payment.
… mais de $300 B de volume negociado ao trimestre, $256 B de activos registados dentro da plataforma (há muitas pessoas que compram criptoactivos na exchange e depois os enviam para cold wallets, mantendo os seus activos fora da plataforma), está presente em mais de 100 países e tem mais de 4.900 colaboradores.
A Coinbase integra cerca de 25 protocolos de blockchain (o Bitcoin apenas um deles), investe pesadamente em cibersegurança e conformidade regulatória, simplifica o processo de compra e venda de cripto activos (fora destas plataformas o processo de compra e venda pode ser complexo) e opera uma grande liquidity pool. A diversidade de criptomoedas registadas na sua plataforma é cada vez maior, mas as bitcoins continuam a dominar o panorama…
… sendo as mais negociadas:
A maioria da receita (87%) é gerada nas transacções que a plataforma cobra pela compra e venda de criptomoedas:
Apesar da companhia manter uma enorme cobertura de seguro sobre os seus cripto-activos…
(…) we secure our customers’ funds with multiple layers of protection by employing what we believe to be thelargest hot wallet security program in the insurance market. (…)
… ela pode ser insuficiente para proteger contra todas as perdas e custos decorrentes de violações de segurança, ataques cibernéticos e outros tipos de actividades ilegais. Não nos esqueçamos do que aconteceu à Mt. Gox:
2. Principais Accionistas
Andreessen Horowitz, o maior investidor da Coinbase, foi um dos primeiros investidores de capital de risco da companhia (em 2013)…
… mas quem controla a empresa é o seu fundador, Brian Armstrong, através das acções Class B, que atribuem 20 direitos de voto por acção:
Our Class B common stock has twenty votes per share, and our Class A common stock has one vote per share. Mr. Armstrong is currently able toexercise voting rights with respect to a majority of the voting power of our outstanding capital stock and, along with our directors, other executiveofficers, and 5% stockholders, and their affiliates, these stockholders hold in the aggregate a substantial majority of the voting power of our capitalstock.
3. Gráfico de Longo Prazo e Dividendos
No Manual do Investidor Prudente, os nossos leitores foram informados do problema de investir nos IPOs. No IPO da Coinbase, a noiva foi bem vestida para o casamento, mas depois a maquilhagem e os adereços desapareceram, e a acção caiu:
A companhia não paga dividendos, e tão cedo não deverá pagar:
We have never declared or paid cash dividends on our capital stock. We are not obligated to pay any dividends on the Class A common stock orClass B common stock and we currently intend to retain all available funds and any future earnings for use in the operation of our business and do notanticipate paying any dividends on our capital stock in the foreseeable future.
4. Evolução do Número de Acções e Valor de Mercado
O valor de mercado da Coinbase chegou aos $100 B e depois caiu para $10 B, estando hoje a valer cerca de $25 B. O número médio de acções tem variado e aumentado ligeiramente:
5. Informação Financeira
A receita está no máximo histórico…
… bem como o lucro (uauuu… a empresa é lucrativa):
O balanço é saudável, pois a rubrica do caixa e equivalentes é superior à dívida de longo prazo, correspondendo a 42% do passivo total:
6. Desenvolvimento
Nos próximos meses, os investidores podem esperar uma grande volatilidade nos resultados da empresa, que estão a ser impactados pelo bear market do mercado de criptomoedas. Veja-se, por exemplo, a bitcoin, que caiu cerca de 60% para €22 mil euros…
… embora tenha já sido vendida a cêntimos. Essas quedas não incomodam a empresa, pois a sua perspectiva de longo prazo sobre a adopção de criptomoedas é optimista, tal como a dos bitcoiners maximalistas. No último grande crash, 86% dos proprietários de bitcoins não as venderam…
… e muitos acreditam que 1 bitcoin possa qualquer dia valer $10 milhões:
Os analistas prevêem uma diminuição dos resultados (por isso é que as acções caíram)…
… mas isto é completamente imprevisível. Simplesmente, não dá para levar a sério estas perspectivas, pois até 2024 muita coisa pode acontecer (como o halving do Bitcoin).
7. Conclusão
Para quem acredita muito nesta empresa, os rácios de valorização estão bastante atractivos…
… mas, neste segmento, tudo me parece bastante incerto. Acredito que a Coinbase possa qualquer dia ser fundida com uma grande instituição financeira, se o controlador assim desejar. Como a empresa não remunera os accionistas, não interessa ao perfil do Prudente, mas vou continuar a acompanhar esta e outras companhias do sector das criptomoedas. Muita coisa vai ainda acontecer neste novo mercado.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.