Bom dia, caro investidor.
Um subscritor do Prudente sugeriu-me uma analise à francesa Alstom. Vejamos se está barata ou se é uma value trap:
1. Apresentação
A Alstom (EPA: ALO; ISIN: FR0010220475) é uma multinacional francesa que fabrica material ferroviário (rolamentos, locomotivas, comboios de alta velocidade, metros, etc.) e soluções energeticamente eficientes.
A companhia, que originalmente se chamava “Alsthom”, surgiu em 1928 após a fusão entre a divisão de engenharia eléctrica da Société Alsacienne de Constructions Mécaniques (empresa de engenharia que produzia locomotivas ferroviárias, máquinas têxteis e de impressão, motores a diesel, caldeiras, equipamentos de elevação, armas de fogo e equipamentos de mineração) e a Compagnie Française Thomson-Houston (uma das precursoras da General Electric). Várias aquisições se seguiram ao longo dos anos…
- 1932: Constructions Électriques de France (construtora de locomotivas eléctricas e rolamentos)
- 1976: Chantiers de l’Atlantique (construtora naval)
- 1980: compra de partes da ACEC (fabricante belga de material de geração eléctrica, transmissão, transporte, iluminação e equipamentos industriais)
- 1989: fusão com partes da British General Electric Company, dando origem à GEC Alsthom
- 1990 e seguintes: Linke-Hofmann-Busch (fabricante alemã de rolamentos) e Sasib Railways (especialista italiana em sinalização ferroviária)
- 2021: divisão de transporte da Bombardier Inc. (que estava com dificuldades financeiras), uma das principais competidoras da Alstom
… tendo passado também por vários problemas financeiros que exigiram uma intervenção do governo francês, como iremos ver.
Em 2014, a General Electric anunciou um acordo para comprar as divisões de energia e rede da Alstom por €12,4 B. O negócio passou por forte escrutínio dos reguladores franceses, que o consideravam estrategicamente importante. Para garantir a aprovação, a GE concordou em formar várias joint ventures com empresas francesas de geração e transmissão de energia e a Alstom vendeu o negócio de turbinas pesadas para a Ansaldo Energia (uma empresa italiana). O negócio foi finalizado em Novembro de 2015 e, desde então, a Alstom passou a operar exclusivamente no sector ferroviário.
Numa tentativa de expandir os seus negócios ferroviários, a Alstom anunciou, no final de 2017, uma proposta de fusão com a Siemens Mobility. No entanto, em Fevereiro de 2019, a Comissão Europeia proibiu a fusão.
Hoje, a Alstom apresenta quatro segmentos de negócios ferroviários e uma boa diversificação geográfica com um foco na Europa:
- ROLLING STOCK – veículos ferroviários e componentes.
- SERVICES – amplo portefólio de serviços que cobrem todo o ciclo de vida do activo, desde o projecto até à construção, operação e fim de vida.
- SIGNALLING – sistemas de automação, controlo e telecomunicação para veículos dentro e fora da cidade.
- SYSTEMS – pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e soluções, tendo como prioridade a digitalização, a eficiência energética, a mobilidade a hidrogénio e os sistemas de sinalização e controlo.
Neste momento, temos encomendas no valor de €87 B (no ano passado eram €81 B), das quais €3,9 B deram entrada neste último trimestre (em 2022/23 foram mais: €5,6 B)…
Order intake marked by Systems orders (3 months 2023/24):
- Systems: €1,5 B
- Rolling Stock: €1,4 B
- Services: €0,6 B
- Signalling: €0,5 B
… destacando-se estes veículos encomendados nos EUA, Filipinas e Roménia:
Deixo aqui um vídeo de apresentação dos veículos disponibilizados em 2022/23:
2. Principais Accionistas
A maioria do capital está em free float e a maior accionista é a Caisse de Depot et Placement du Quebec, uma instituição que gere planos de pensão públicos no Canadá:
3. Gráfico de Longo Prazo e Dividendos
A GEC Alsthom foi listada na Bolsa de Valores de Paris em 1998 e renomeada para “Alstom”. Naquela época, a empresa fabricava material ferroviário, equipamentos de geração de energia e navios.
Anos depois, em 2003, a empresa pediu um resgate de €3,2 B ao governo francês, tendo sido obrigada a alienar várias divisões de negócios, incluindo a de construção naval e transmissão eléctrica, para a Areva (uma empresa francesa especializada em energia nuclear), a fim de cumprir as normas da União Européia relativas a auxílios estatais. Em 2004, a Alstom permaneceu com dificuldades financeiras, tendo incorrido em enormes custos (de €4 B) decorrentes de uma falha de projecto herdada da aquisição do negócio de turbinas da ABB, além de perdas noutros negócios. Desde então, a acção tem andado aos altos e baixos a lateralizar…
… apesar de ter pagado alguns dividendos que diminuíram o valor das cotações, principalmente em 2019:
4. Evolução do Número de Acções e Valor de Mercado
Os dividendos não compensaram a diluição da participação dos accionistas provocada pelo aumento do número de acções:
A Alstom vale €10,4 B em bolsa.
5. Informação Financeira
A receita tem lateralizado, com fortes oscilações, algumas delas provocadas pelas reestruturações (como em 2014)…
… mas o resultado líquido tem apresentado alguns prejuízos (nos últimos 25 anos houve 7 anos de prejuízos):
As margens de lucro são muito baixas…
- Margem bruta (5y): 16%
- Margem líquida (5y): 3%
… bem como as taxas de retorno sobre o capital…
- ROE (5y): 4%
- ROCE (5y): 3%
- O ROE mediano desde o IPO corresponde apenas a 12% e o ROCE apenas a 6%
… e o rácio de endividamento (Net Debt / EBITDA) está um pouco elevado (2,6x mrq), apesar da avaliação das agências de rating ser stable.
6. Desenvolvimento
O mercado de transporte ferroviário é sustentado por catalisadores sólidos e de longo prazo. O crescimento demográfico mundial, a urbanização crescente, as preocupações ambientais, a regulamentação e a mudança de comportamento dos consumidores estão a favorecer o sector dos transportes ferroviários sustentáveis, tanto os veículos ferroviários como as infra-estruturas relacionadas. Por isso é que a Alstom tem procurado inovar em alguns produtos. Por exemplo, os veículos movidos a hidrogénio, os veículos autónomos e as novas infra-estruturas dentro e fora das cidades:
Apesar dos analistas preverem um crescimento da receita…
… sabemos que os resultados são cíclicos e que as baixas margens de lucro não têm ajudado a manter a estabilidade dos lucros. A curto e a médio prazo, não vejo como isso possa mudar.
Quanto à remuneração dos accionistas, também não temos um bom histórico – os dividendos são reduzidos e o aumento do número de acções tem provocado uma diluição da participação dos accionistas, e, por conseguinte, do net payout:
7. Conclusão
É clara a importância do segmento da Alstom para a sociedade, mas o seu negócio não possui actualmente as propriedades de outros negócios excepcionais, como aqueles que possuem vantagens competitivas duradouras (com fortes barreiras à entrada de competidores, altas margens de lucro, elevados retornos sobre o capital, etc.). Por isso, vamos excluir esta empresa da Lista Completa de Acções do Prudente, apesar do price-to-book estar abaixo dos valores normais de mercado (a vermelho):
Há aqui um potencial de valorização, mas eu não vejo como esta acção possa proporcionar um desempenho excepcional a longo prazo.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.