Os novos Macintosh são impressionantes! A mudança para os seus processadores Arm (Apple Silicon) vai implicar uma disrupção no mercado (não só na Apple); isto vai ser um grande game-changer (a Intel que se cuide!). O fascínio pelos produtos da marca leva, não raras vezes, os consumidores à dependência de todo o ecossistema da Apple (computadores, telemóveis, tablets, smartwatches, etc.). Cá em casa já tivemos um iPhone, mas por culpa do hábito (usamos android desde o lançamento, em 2008) vendemo-lo passado uma semana. No entanto, a nossa realidade parece-me ser a excepção à regra:
De facto, a Apple é uma marca fortíssima, addictive, com fortes barreiras à entrada de competidores e uma excelente capacidade de gerar cash. Tanto que levou o investidor Warren Buffett a ter uma participação equivalente a 20% do Market Cap da Berkshire Hathaway. É muita confiança no futuro da empresa!
As cotações estão no máximo histórico a $390, à data desta análise…
… e os indicadores de valorização bolsista estão acima da média dos últimos 15 anos:
O que leva Warren Buffett a não vender a acção, mantendo uma posição tão grande na sua holding? Actualmente, é o segundo maior accionista da Apple:
Será que, no longo prazo, o negócio da Apple e o seu Valor de Mercado ($1,69 TRILLION!!!) continuam a fazer sentido?
1. Apresentação
A Apple Inc. projecta, fabrica e comercializa smartphones, computadores pessoais, tablets, wearables e acessórios em todo o mundo. Também vende vários serviços relacionados (AppleCare, iCloud, Apple Card, Apple Pay, App Store, ProApps, etc.).
Este é o seu ecosystem:
O seu principal produto é o iPhone, que responde por 55% das Vendas…
… e que, contrariamente à venda dos outros produtos, caiu 14% em 2019, arrastando consigo a Receita total (-2%). A queda do número da venda de iPhones já vem de trás:
Não se pode concluir, a partir destes dados, que as pessoas estão a deixar de gostar do iPhone. Não encontrei estudos acerca do problema, mas acredito que o facto dos últimos iPhones durarem mais tempo (5 anos de updates + diminuição da evolução da velocidade dos processadores + boa construção + falta de grandes novidades) e a crescente «qualidade/preço» dos smartphones android (veja-se o caso da Xiaomi) motivaram a queda das vendas de iPhones. O preço elevado dos iPhones e a queda das vendas na China…
… por força da subida do dólar…
… também contribuíram para a queda das Vendas e, certamente, para a queda das margens operacionais:
Esta não é uma situação preocupante; é o resultado do crescimento de uma empresa que atingiu a maturidade (antes era uma Fast Grower, agora é uma Stalwart) e que continua a gerar muito dinheiro ($67 B de free cash flow ttm).
2. Gráfico de Longo Prazo das Acções da Apple
Que foguete!
A esta subida é necessário adicionar o valor dos dividendos distribuídos aos accionistas (desde 2012), que actualmente têm um yield inferior a 1%. Eu prefiro usar o shareholder yield em vez do dividend yield, pois a quantidade de buybacks (+ redução da dívida) é muito superior à distribuição de dividendos:
3. Evolução do Número de Acções e Valor de Mercado
O número de acções caiu quase 34%, desde 2012:
O Market Cap até pode não subir muito nos próximos anos, mas a forte geração de caixa, que permite à Apple comprar as suas próprias acções e extingui-las (não há treasury shares no Capital Próprio da Apple),…
… vai contribuir para a subida do preço da acção.
4. Informação Financeira
Apesar da queda da Receita em 2019 espero que as Vendas continuem a subir em termos de médio/longo prazo, mas com menor intensidade. A Receita do período de 2005-2015 foi muito energética para o crescimento da Apple…
… assim como o Lucro, que atingiu em 2018 quase $60 BILLION!!!:
O valor em Caixa mrq ($40 B) e o EBITDA ttm ($82 B) cobriam confortavelmente a dívida financeira total:
5. Desenvolvimento
Em vez do Lucro, Warren Buffett prefere olhar para aquilo a que ele chama de owner earnings (o “lucro do dono”), que de acordo com a carta aos accionistas de 1986 significa:
(a) reported earnings
+
(b) depreciation, depletion, amortization, and certain other non-cash charges such as Company N’s items (1) and (4)
–
( c) the average annual amount of capitalized expenditures for plant and equipment, etc. that the business requires to fully maintain its long-term competitive position and its unit volume.
O resultado é semelhante ao free cash flow. O “lucro do dono” é o dinheiro que pode cair para o bolso do accionista. Esse é o dinheiro que lhe interessa! O “lucro do dono” da Apple dos últimos 12 meses foi de $13,62 por acção, ou seja, quase 1/29 o valor da cotação actual ($390)…
… e cresceu cerca de 7% ao ano, entre 2014 e 2019 (valores próximos à linha de tendência de crescimento). Se essa tendência se verificar nos próximos 10 anos, o owner earnings per share (OEPS) pode chegar a $23,47 em 2029 (uma média de $17,12 ao ano)…
… que ao múltiplo de 29 (o Price-to-Owner-Earnings de hoje) resulta numa cotação de $680 em 2029 (74% acima da actual). Se olharmos para a média desse múltiplo (17,10)…
… obtemos uma cotação de $401 (muito próxima da actual). Claro que a estes valores devemos acrescentar os dividendos distribuídos.
Devido ao tamanho da sua holding, Warren Buffett não tem a flexibilidade para investir em small caps, como fazia na década de 60, período em que teve a sua maior rentabilidade histórica (31,6% ao ano):
Actualmente, ele procura investir com um estilo diferente, tratando as acções como se fossem obrigações (bonds). Vejamos os cálculos (simplificados) que ele poderia ter feito:
- O yield das AAA Corporate Bonds (as obrigações das empresas de qualidade) está actualmente nos 2,44%;
- Como mostrei nas linhas anteriores, o owner earnings por acção médio pode atingir $17,12 ao ano, nos próximos 10 anos. Esse seria o valor do cupão, caso a Apple fosse uma obrigação;
- Assim, o valor nominal da obrigação seria de $ 701,64 ($17,12/0,0244). Acima deste valor, não compensaria ter acções da Apple, no dia de hoje;
- Se somar o valor nominal ($701,64) aos 10 cupões ($17,12 x 10 anos = $171,20), obtenho um valor acumulado de $872,84;
- Considerando a exigência da margem de segurança (equivalente a uma rentabilidade de 15% ao ano), Warren Buffett compraria a acção a $215,75 ($872,84/1,15^10), valor muito próximo ao da cotação de Março de 2020:
6. Conclusão
O preço actual da acção não é o mais oportuno, mas a empresa vai continuar a vender os seus produtos, a gerar muito cash e a crescer de forma moderada.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico