Terry Smith é, juntamente com Warren Buffett e Charlie Munger, um dos maiores investidores do mundo em empresas de qualidade. Tal como o Prudente, Terry Smith procura comprar boas empresas cotadas a bons preços, usando para isso uma métrica de valorização simples: pelo menos 5% de free cash flow yield. Desde que o seu fundo (Fundsmith) foi lançado em 2010, chegou a alcançar um retorno superior a 18% (CAGR) após fees. É surpreendente!
Tal como o Prudente, o Fundsmith também usa um mote engraçado que sintetiza bem a sua postura no mercado de acções:
Comprar boas companhias
Não pagar demais
Ficar quieto
Neste artigo vou indicar 10 regras de investimento que Terry Smith procura seguir, cujo estilo não difere muito de Warren Buffett e Charlie Munger.
No final do artigo irei disponibilizar um PDF com todas as cartas anuais que Terry Smith escreveu aos accionistas.
1. Vantagens competitivas duradouras
A ideia aqui é investir em empresas com grandes fossos económicos ou moats.
O “moat” é um buraco longo e largo que é cavado ao redor de um lugar (como um castelo), geralmente cheio de água, que tem como finalidade dificultar o ataque dos inimigos.
É natural que uma empresa que cresce e ganha muito dinheiro atraia rivais. Com o aumento da concorrência, ocorre um efeito chamado mean reversion (reversão para a média). Isto é, a empresa tenderá a perder mercado para outros competidores e a ter resultados próximos ao do seu segmento. No entanto, esse fenómeno não ocorre com algumas empresas que apresentam grandes economic moats ou vantagens competitivas duradouras, pois elas possuem um serviço ou produto superior que os rivais não podem replicar. É por isso que a identificação deste “fosso” é essencial à actividade do Investidor Prudente e aos investidores de longo prazo que compram acções de qualidade. Empresas como a Adobe, Autodesk, Apple, Microsoft, Amazon, McDonalds e Coca-Cola são óptimos exemplos de wide-moat stocks.
2. Forte crescimento orgânico
Uma empresa pode ver a sua receita crescer por vários motivos, mas o crescimento orgânico é o indicador mais excelente.
O crescimento orgânico é o crescimento que uma empresa ou negócio alcança quando aumenta o seu volume de negócios e o seu “market share” (participação no mercado).
O ideal é procurar empresas que conseguiram crescer organicamente (sem efeitos cambiais positivos ou outros factores) nos últimos anos (e de preferência até décadas). Quando essas empresas se mantêm em crescimento por muito tempo, é possível que tenham excelente qualidade.
3. Alto retorno sobre o capital investido (ROIC)
Empresas que apresentam elevados retornos sobre o capital investido (próprio e alheio) tendem a ter resultados superiores no longo prazo. Como diz Charlie Munger:
No longo prazo, é difícil uma acção obter um retorno muito melhor do que o negócio subjacente. Se o negócio ganha 6% sobre o capital ao longo de 40 anos e você o mantém por 40 anos, não vai conseguir obter um retorno muito diferente de 6%, mesmo que inicialmente o consiga comprar com um grande desconto. Por outro lado, se uma empresa ganhar 18% sobre o capital em 20 ou 30 anos, mesmo que pague um preço caro, você terminará com um bom resultado.
Isto não é válido apenas para empresas, mas também para sectores – geralmente, bons sectores permanecem bons, maus sectores permanecem maus:
No Prudente procuramos empresas que consigam obter retornos sobre o capital próprio e sobre o capital investido superiores a 15% e a 10%, respectivamente. Esta é a nossa fórmula de cálculo:
- ROE (5y) = Shareholders Net Income (mediana a 5 anos) / Shareholders Equity (último ano)
- ROIC (5y) = Operating Income (mediana a 5 anos) / [Shareholders Equity + Minority Interest + Total Debt] (último ano)
4. Crescimento da receita e criação de valor
A longo prazo, o preço das acções acaba por seguir o crescimento da receita, o fluxo de caixa e o lucro da empresa (genericamente falando, pois há sempre excepções). O importante aqui é focar esta ideia de Terry Smith:
Se você comprou o S&P 500 a um PER (price-to-earnings) de 5,3x em 1917 e o vendeu em 1999 a um PER de 34x, o seu retorno anual teria sido de 11,6%. Mas apenas 2,3% veio do aumento do PER. O restante do seu retorno veio dos ganhos e reinvestimentos das empresas:
5. Geração de fluxos de caixa livres
Os lucros são estimativas contabilísticas, os fluxos de caixa são factos. Em inglês fica mais bonito:
Earnings are an opinion, cash is a fact.
Terry Smith diz que, segundo alguns estudos, as empresas que traduzem a maior parte dos lucros em fluxo de caixa livre superam as empresas que produzem menos fluxos de caixa. Por isso, pergunto: que empresa terá mais qualidade? A BP ou a L’Oreal?
A L’Oreal, claro, pois apresenta um cash conversion (geração de caixa em relação aos lucros) mais elevado.
6. Uma elevada margem bruta protege contra a inflação
Quanto maior a margem bruta de uma empresa, melhor estará protegida contra a inflação.
Margem bruta = Lucro bruto / Receita
Quando a inflação impacta o custo das mercadorias vendidas (cost of goods sold – COGS), aumentando-o, não prejudica tanto as empresas de elevada margem bruta quanto as de baixa margem. Quando uma empresa possui margens brutas altas e consistentes, é sinal de que poderá ter vantagens competitivas duradouras.
Mais uma vez pergunto: qual destas empresas será a melhor, após a subida do custo das mercadorias vendidas? A L´Oreal ou a Campbell’s?
Mais uma vez, a L’Oreal!
7. Seja disciplinado
Uma coisa é certa: quando você investe em acções terá de suportar, de tempos em tempos, um desempenho inferior ao do mercado. O que importa é seguir uma estratégia de investimento coerente e racional, esquecendo as oscilações de curto e médio prazo.
Não faça como os clientes do Peter Lynch – enquanto o mega-investidor atingia retornos impressionantes, os clientes perdiam dinheiro, pois saíam e entravam do mercado de acções na hora errada. Seja disciplinado!
O investidor que tenha uma carteira de acções saudáveis deveria estar preparado para ver os seus preços oscilar, sem se preocupar com as quedas do mercado, nem tampouco se entusiasmar com as subidas, mas com o negócio da empresa. Ele deveria sempre lembrar-se que as cotações do mercado estão lá para sua conveniência, tanto para tirar partido delas quanto para ignorá-las, e nunca deveria comprar uma acção simplesmente porque subiu de preço ou vendê-la porque caiu.
Nenhum desportista de topo jamais venceu todas as competições ou todos os jogos. O mesmo é válido para os investidores em acções.
8. Não pague um preço elevado
Este é um dos princípios mais importantes do Investidor Prudente.
Mesmo as melhores empresas do mundo podem, por vezes, estar tão sobrevalorizadas que acabam por demorar a produzir bons resultados. Quem comprou a Microsoft em 1999 demorou 15 anos para ver a acção subir de preço. Ainda assim, realizou um bom investimento em 20 anos. Pague um preço justo por uma empresa maravilhosa e você terá retornos de investimento maravilhosos. Como diz Warren Buffett e Charlie Munger, «é melhor comprar uma excelente empresa a um preço justo do que uma empresa justa a um excelente preço»:
It’s far better to buy a wonderful company at a fair price than a fair company at a wonderful price.
E o que é um preço justo ou um bom preço de compra?
Eu prefiro usar métricas de caixa; tal como Warren Buffet e Charlie Munger, que calculam o owner earnings yield. Este é semelhante ao free cash flow yield usado por Terry Smith. Estes investidores procuram retornos superiores à taxa de juro sem risco (por exemplo, as yields das obrigações a 10 anos do tesouro americano). Terry Smith diz (com razão) que estas obrigações têm sido manipuladas pelos bancos centrais e que prefere considerar valores médios, isto é, 4%. Por isso, Terry Smith exige 1% a mais – um yield mínimo de 5% no acto da compra. No Prudente usamos o net payout yield (a remuneração em forma de dividendos e buybacks) que é impossível de manipular. Conheça o método do yield do Prudente no Manual do Investidor Prudente (download gratuito):
9. Fique quieto
The best investor is a dead investor.
Isto é verdade!
O Manual do Investidor Prudente destaca uma estratégia de investimento chamada Coffee Can Portfolio. É a história de um cliente de Robert Kirby, gestor de portefólios na Capital Group, que faleceu e deixou uma carteira de acções intocável à esposa. Os resultados foram impressionantes – a carteira de um morto foi superior à carteira de um gestor activo.
Recentemente dei de caras com o canal de Nathan Winklepleck, que tem uns vídeos a falar sobre isto. Recomendo:
10. Mantenha o foco na sua estratégia
«Defina uma estratégia de investimento e mantenha-se fiel a ela», dizia um investidor cheio de razão.
Desde o início do ano, o S&P 500 já caiu quase 22%, e são cada vez maiores os receios de uma forte recessão generalizada. O Fed (Banco Central Americano) subiu as taxas de juro em 0,75 pontos percentuais pela terceira vez consecutiva, com o objectivo de combater a inflação.
Após esta subida, a taxa de juro passou para o intervalo de 3,00-3,25%, algo que não acontecia desde 2008. A procissão ainda vai no adro, pois, por um lado, as taxas de juro podem continuar a subir, prejudicando a solvabilidade dos Estados, por outro, se diminuírem, a inflação pode aumentar ainda mais.
Venha o diabo e escolha.
O livro Great Reset, do fundador do Fórum Económico Mundial, Klaus Schwab, fala na possibilidade de “hiperinflação”. Nunca na história humana vivemos um período como o actual, e o desfecho é imprevisível. No entanto, a história também nos mostra que, mesmo passando por uma depressão económica e por duas grandes guerras, o mercado de acções foi de longe o melhor veículo de riqueza.
Quando o bear market bater à porta, o que vai fazer? Vender as small caps e comprar large caps, ou vice-versa? Sair dos investimentos em euros e colocar tudo em dólares? Vender as acções e comprar ouro? Imobiliário? Bitcoins?
O pior que se pode fazer é abandonar uma estratégia de investimento racional e coerente em favor de outra que funcionou apenas nos últimos anos. Ou então, abandonar o mercado de acções em favor de outro mercado simplesmente porque as cotações das empresas caíram. Defina a percentagem a alocar para cada tipo de activo e mantenha-se fiel a ela. Se a volatilidade do mercado de acções não o deixa dormir descansado, defina um percentual menor a alocar.
Conclusão: seja forreta (no bom sentido)
Não quero acabar esta lista de regras sem dizer o seguinte: mantenha a sua mentalidade de investidor de longo prazo. O que é isso? Luiz Barsi, o maior investidor individual da bolsa brasileira, chama a esse estado de “cultura de investimento”. Como ensina o Homem Mais Rico Da Babilónia, esta mentalidade é o conjunto de atitudes que formam a personalidade do investidor:
- nunca se esqueça de pagar a si mesmo pelo menos 10% do que ganha
- não gaste mais do que aquilo que ganha
- invista em bons activos
- etc.
Não deixem de ler o livro do George S. Clason. É para todas as idades… e é uma maravilha!
Bónus
Como prometido, deixo aqui um PDF com todas as cartas anuais que Terry Smith escreveu aos accionistas:
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.